O outro lado do caos: entre estupros e golpes do pix na tragédia do RS

Desabrigados enfretam além das enchentes, os perigos das facções, abuso sexual e golpes financeiros

Por José Ribas Neto,

Se é um fato que a natureza humana é essencialmente violenta e bárbara, como pensava Thomas Hobbes, é bem verdade também que a violência não dá trégua nem mesmo nos momentos de tragédia, como é o caso do Rio Grande do Sul.

Foto: Getty ImagesCaos no RS
O estado, que agora tem entre suas preocupações corpos boiando entre a lama e o caos, desalojados e resgates, enfrenta também a explosão de violência impulsionada por facções que pululam pelos abrigos e trazem consigo seus crimes.

Abrigos que desabrigam

É o caso de Canoas, por exemplo. A cidade com 350 mil habitantes foi uma das mais afetadas pela violência das chuvas, mas nos seus abrigos enfrenta internamente a disputa entre as facções ‘Bala na Cara’ e ‘Manos’, que, em alguns abrigos, tiveram de ser separadas pela polícia por setores para evitar confrontos.

Em Guaíba, denuncia o prefeito Marcelo Manata, as facções controlam até mesmo o uso de banheiros e estabeleceram um toque de recolher nos abrigos.

A polícia civil do Rio Grande do Sul agora tem o papel de monitorar para que a violência entre as duas não escale cada vez mais, enquanto a Brigada Militar trabalha para que a tensão entre elas não resulte em carnificina, que tem, no meio disso tudo, desabrigados e famintos.

Com isso, triagem e resgate que poderiam ser feitos pelas duas forças de segurança são deixados em segundo plano.

Os abrigos no estado também enfrentam casos de abuso. Até o momento, seis estupros foram denunciados pela polícia, sendo Canoas uma das cidades onde houve notificação do crime, além de Viamão e da capital Porto Alegre. Em um dos casos, a vítima é uma criança de apenas seis anos, resgatada sem os pais, violentada por um homem de vinte e quatro anos dentro de um abrigo, conforme relatou Sandro Caron, Secretário de Segurança do Estado.

A ministra Cida Gonçalves da pasta da Mulher do Governo Lula, chegou a receber de um movimento de mulheres que implorou por um protocolo de emergência para evitar abuso contra mulheres e crianças em meio a tragédia.

Piratas da enchente

Fora dos abrigos, a violência é tão pior quanto. Facções impedem pessoas de saírem de casa e tomam donativos de equipes de doações, enfrentam a polícia e tomam de assalto barcos de resgate.

Will Santana, voluntário nos resgates e que faz parte da equipe do surfista Pedro Scooby, usou as redes sociais para dizer que facções impedem que as pessoas deixem suas casas na região da orla de Porto Alegre.

‘‘Hoje tivemos uma reunião com a polícia. Ontem vi algumas coisas. Tem facção lá dentro que estão impedindo as famílias de saírem. Eu coloquei pessoas no barco e, na hora de sair, fizeram todo mundo voltar com medo”, disse Will.

Equipes oficiais de resgate também são um dos principais alvos dos criminosos. Os chamados ‘piratas’, geralmente membros de facções, atraem as equipes de resgate usando o subterfúgio de socorro e, durante as ações, tomam os botes e as motos aquáticas de bombeiros e equipe da Defesa Civil.

A violência chegou ao ponto de policiais armados terem que fazer escolta nos resgates, e muitas equipes não fazem mais resgates no período da noite.

Saqueadores do caos

Ondas de saques também aumentam, em parte motivadas pelo medo dos saqueadores de morrerem de fome e frio, mesmo que, para isso, prejudiquem outros que muitas vezes precisam muito mais.

Supermercados são os principais alvos, onde criminosos invadem e levam tudo o que podem, desde mantimentos até televisores. Isso mostra que não somente os necessitados têm realizado tais ações, mas também pessoas que se aproveitam da ausência de segurança em meio ao caos.

Famílias também denunciam que criminosos entram em suas casas e furtam objetos de valor. Chega ao ponto de muitos afetados não saírem de casa por medo de terem o que ainda sobrou dos pertences levados por bandidos, e vizinhos se armarem para fazerem ronda nos bairros para espantar ações criminosas, conforme mostram vídeos em circulação nas redes sociais.

Aproveitadores da dor

A polícia civil também tem que enfrentar outra faceta em meio aos necessitados, os crimes de estelionato.

Pessoas se aproveitam da situação de caos e da comoção do momento para terem ganhos pessoais com as doações para os desabrigados.

Até o momento, 30 casos de estelionato foram denunciados para a polícia, na maioria envolvendo doações de Pix que nunca chegaram para nenhuma das vítimas das chuvas.

Os golpes chegaram ao ponto de o governador Eduardo Leite ter que vir a público na segunda-feira (6) falar sobre a necessidade de ter cuidado ao doar.

Inércia total

O Governo do Rio Grande do Sul parece agir de maneira mais lenta do que o necessário para sanar o problema secundário das chuvas, a violência. Somente na última terça-feira (7), quatro dias após o início do caos, o governador Eduardo Leite solicitou o reforço da força nacional ao ministério da justiça, aumentando o efetivo para 400 homens da força policial, e chamou os policiais da reserva para compor a força estadual de segurança.

Apesar disso, Eduardo recusou a intervenção das forças armadas para conter a violência através da decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que permitiria ao exército cuidar da segurança estadual. Leite acredita que os meios até agora adotados são mais do que suficientes para conter a criminalidade.

Mas os meios parecem não agradar a todos, pois o prefeito de Guaíba, Marcelo Manata, pediu reforço e unidade entre o estado e a União, fazendo um apelo para melhoria na segurança e ajuda do Exército, opinião seguida também pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo.

Fonte: O Globo/ Folha de São Paulo/Infomoney / Jovem Pan

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