Disputa pelos recursos da Covid-19 faz aliados entrar em conflito no Piauí

Na capital, briga envolve senador do Progressistas e deputado federal do Partido dos Trabalhadores; no interior, conflito ocorre entre prefeita do PP e vereador do PT

Por André Pessoa e Arimatéia Azevedo,

O Brasil já é um dos países mais afetados pelas consequências humanas, médicas, sociais e econômicas do novo coronavírus. Hoje, o país ultrapassou a casa dos 160 mil contaminados e quase 12 mil mortos. É o maior número de óbitos por uma doença de toda a nossa história. Mas nada disso sensibiliza os políticos. Ao contrário, em terras brasileiras a pandemia se tornou uma opção de benefícios eleitorais e financeiros para os governantes, gestores e políticos. O que vem acontecendo no Piauí mereceria destaque nacional tamanha a "loucura", irresponsabilidade e falta de sensibilidade dos protagonistas.

Ciro Nogueira e Assis Carvalho (Foto: Lucas Sousa/ Portal AZ) 

Nessa arena política, de um lado está o gladiador Ciro (não o grande, rei da Pérsia entre 559 e 530 a.C), mas o Nogueira, senador e presidente nacional do Progressistas. Líder do grupo fisiológico conhecido como Centrão, aliado de primeira hora do presidente Bolsonaro e réu pela operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ele é acusado de uma série enorme de irregularidades. Se o país fosse sério, certamente já estaria preso. Do outro lado do campo de batalha, está o deputado federal Assis (não o líder religioso e profeta italiano que viveu entre 1182-1226), mas o Carvalho, uma das maiores lideranças do PT no estado e ex-secretário de Saúde do Piauí, suspeito, inclusive, de tocar fogo na sede da secretaria na gestão de Wilson Martins.
 
Agora, essas duas, digamos, lideranças políticas do Piauí, entraram em guerra declarada através de publicações nas redes sociais e via correligionários. O motivo, claro, não poderia ser outro. Os milionários recursos para o combate ao Covid-19. No meio do intenso tiroteio está o petista e atual secretário estadual da Saúde, Florentino Neto, aliado do governador Wellington Dias (PT), mas, dizem, indicado por Ciro Nogueira a contragosto de Assis Carvalho. Ele comanda a poderosa Sesapi, o cofre-forte das finanças para área da Saúde no Piauí. Na verdade, o centro de todas as atenções dos políticos, mas, infelizmente ao contrário do que deveria ser, o interesse não está nas ações para o combate a pandemia em si, mas, sobretudo, na "aplicação" dos recursos públicos.
 
São milhões e milhões de reais repassados pelo Governo Federal para as ações ligadas ao novo coranavírus. Tudo feito sem licitação, sem concorrência pública, conforme autorizado pelas "autoridades" nacionais, fiscais e jurídicas. Certamente, a história vai registrar a maior farra já feita nas últimas décadas, talvez séculos, com os recursos públicos. E, não se esqueça, ao contrário, preste atenção nisso: 2020 é ano eleitoral, se a pandemia deixar, teremos eleições municipais para escolha de prefeitos, vice e vereadores. O que ninguém esperava ver, pelo menos tão cedo, seria a briga entre aliados do mesmo partido, caso de Assis e Neto. Antes de Ciro entrar na luta, a disputa começou mesmo entre eles dois. Florentino chegou, inclusive, a desmentir o próprio governador Dias em relação a aplicações dos recursos da saúde. Um pote de ouro para os políticos.
 
Depois dessa pequena introdução ao contexto da "guerra”, fica cristalino que o motivo da briga entre Ciro e Assis nada tem a ver com a saúde da população. Verdade seja dita, essa peleja é entre partidos, PP e PT. Ou melhor, está em curso a caminhada em busca de recursos, apoio e estrutura para a campanha de 2022 para o governo do estado. Candidatíssimo se a justiça permitir, Ciro deseja o Palácio de Karnak. Assis, mesmo em conflito com Neto, alimenta sonhos de suceder Wellington Dias, mas encontra dificuldades dentro do próprio partido, que deve optar pela Vice, Regina Sousa ou pelo senador Marcelo Castro (MDB).
 
E tudo começa com as eleições municipais desse ano. Quem eleger o maior número de prefeitos e vereadores dispara na frente na corrida pela sucessão estadual. Dessa forma, os recursos da Covid-19 chegaram em boa hora, ou melhor, estão sendo providencialmente liberados com todas essas brechas jurídicas e administrativas. Isso nunca aconteceu, é inédito. Nenhum deles está preocupado se determinada região tem UTI, hospitais ou ambulâncias. Se os mortos criam filas nos cemitérios, dor, tristeza e desespero nas famílias. O que importa é como esses recursos serão gastos. Quais prefeitos, vereadores e empresários serão beneficiados.
 
Para engrossar esse caldo de recursos públicos, além das verbas específicas do Governo Federal para a área da saúde, muito, mas muito dinheiro mesmo, está numa série de verbas da União, mais especificamente R$ 125 bilhões que serão repassados para estados e municípios através do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus como auxílio financeiro emergencial para repor as perdas com arrecadação de ICMS e ISS neste ano.
 
Fica evidente que os políticos estão como pinto no lixo, ou melhor, como raposas no galinheiro. Ou seja, nunca tiveram acesso a tantos e tão variados recursos, e o mais interessante, podendo gastar livremente, sem nenhum controle ou mecanismo de restrição. Sim, mas alguém poderia argumentar: tem a obrigatoriedade da prestação de contas. Mas, isso, os políticos resolvem depois, afinal, os conselheiros do Tribunal de Contas são indicados politicamente, basta ganhar as eleições que tudo fica mais fácil.

Conflito nos municípios

A mesma disputa que se observa em nível estadual, se reflete no interior do estado, naquelas pequenas cidades dominadas por oligarquias políticas, algumas centenárias. No município de São Raimundo Nonato (525 km de Teresina), acontece, nesse momento, uma espécie de síntese do conflito visto no universo estadual. A atual prefeita Carmelita de Castro Silva (Progressistas), cassada pela Justiça Eleitoral, mas no cargo esperando uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI), acaba de protagonizar uma ríspida troca de acusações com o presidente da Câmara Municipal dos Vereadores, Eumadeus Pereira (PT).
 
Ou seja, a mesma briga PP contra PT, ou vice e versa, que assistimos no cenário estadual, acontece no palco municipal. E o objetivo é o mesmo: os recursos para combate ao covid-19. Novamente a saúde da população fica em segundo plano, valendo mais as apetitosas verbas disponíveis e como serão utilizadas. São Raimundo Nonato tem 30 casos confirmados com o novo coronavírus e, somente do programa de enfrentamento a doença e reposição de perdas do ICMS e ISS, deve receber, nas próximas semanas pelos cálculos da assessoria do Senado Federal, cerca de R$ 3,3 milhões, conforme os últimos ajustes feitos no projeto pela Câmara dos Deputados. Algumas semanas atrás recebeu R$ 800 mil específicos para saúde.
 
Em São Raimundo Nonato a arena da disputa foi a rádio Cultura FM. Depois que a primeira sessão por videoconferência da Câmara Municipal que pretendia discutir a aplicação dos recursos da saúde teve que ser cancelada pelo boicote de 8 vereadores da situação, todos ligados ao grupo da prefeita Carmelita Castro, o presidente da Casa, vereador Eumadeus Pereira, gravou uma entrevista para a emissora e cobrou mais ação por parte do poder executivo. Em determinado momento, ele pede que a gestora saia da mídia e comece efetivamente as ações de combate ao Covid-19 citando os recursos disponíveis na Prefeitura. Também cobrou o pagamento do abono de 40% para os profissionais da saúde e citou um veto de Carmelita Castro para a distribuição de cestas básicas.
 
A prefeita, claramente descontrolada, também ligou na rádio e fez o contra-ataque. Disse desconhecer as atitudes do vereador que, segundo ela, até o dia anterior era seu aliado e passou a enfatizar suas raízes, como numa espécie de indireta ao presidente da Câmara. "Eu nasci aqui em São Raimundo. Me criei aqui. Todo mundo me conhece", disse a gestora bastante irritada, até com dificuldades para falar. Para bom entendedor, Carmelita Castro só faltou chamar diretamente Eumadeus Pereira que nasceu em Floriano de forasteiro. No entanto, quando questionada enfaticamente pelo radialista Gercílio Magalhães por qual motivo os vereadores da situação boicotaram a sessão virtual da Câmara dos Vereadores, ela tergiversou e não respondeu. O repórter ainda insistiu na pergunta, mas não teve resposta.
 
Se fosse possível fazer um resumo da briga entre Carmelita e Eumadeus, ou seja, PP x PT, a melhor definição seria ciúmes, de ambos os lados. Ciúmes em vários aspectos, senão vejamos. Se tiver a sua cassação mantida, (o TRE-PI julga o processo na próxima segunda-feira, 11), quem vai ocupar o cargo provisório de Carmelita na Prefeitura é Eumadeus, por ser o presidente do Poder Legislativo. Nesse caso, o ciúme é de Carmelita. Por outro lado, quem deve "aplicar” os recursos polpudos da Covid-19 no município nos próximos dias é a prefeita. Nesse caso, o ciúme é do Eumadeus, que mesmo como vereador e presidente da casa teve um simples projeto para destinação de parte desses recursos para compra de cestas básicas vetado pela prefeita.
 
Para finalizar, no fundo no fundo, a briga entre os políticos, seja na esfera federal, estadual ou municipal não é, claramente, exceções à parte, em prol da população, em benefício da saúde pública. Eles não estão nem aí para o que acontece na vida real. O único foco deles, nesse instante de calamidade pública, é saber como gastar tanto dinheiro, em tão pouco tempo, com tantas brechas na fiscalização, pavimentando, com isso, seus sonhos políticos para 2020 e 2022. O povo que se dane!

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