Uma coluna para o Ari Azevedo
Uma coluna para o Ari Azevedo
Boas-vindas
Foi a jornalista Tânia Martins que me levou ao mundo do jornal impresso. Primeiro para uma experiência de uma semana no Jornal da Manhã. Neófito, não gostei do clima de animosidade bastante comum naquela redação. Tânia foi para o Meio Norte e duas semanas depois segui novamente seus passos. Nosso chefe era um jornalista magro, de óculos, que se enfurnava no fundo da redação, numa pequena sala. Um computador, um telefone e uma garrafa de café eram suas companhias. Era setembro de 1995, eu tinha 29 anos, e meu novo chefe era Arimatéia Azevedo, ou Ari, como preferia ser chamado. Ele tinha um celular Motorola, o primeiro que vi.
Um elogio, um conselho, um “tropeço”
Primeira matéria escrita para o JMN foi pauta do Jornalista Walcy Vieira. Levei quase duas horas pra redigir 30 linhas. Era o teste para ingressar na redação. Texto impresso, Walcy leva para o editor chefe. Fico tremendo na bancada enquanto ele lia por cima dos óculos. Cinco longos cinco minutos ele acena com a mão me chamando: “Você tem um texto muito bom. Mas não fique se achando não, viu? Mantenha a humildade que você vai longe”. Ganhei a vaga. Na mesma semana fui enviado pra Caxias, para cobrir um surto de dengue. Voltei com uma matéria sobre aumento abusivo do IPTU que foi capa do jornal. O prefeito era amigo do dono do jornal e o chefe me chamou:
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- “Quem sugeriu essa pauta pra você?”, perguntou olhando no meu olho.
- “Ninguém. Todo mundo só falava disso na cidade. Eu resolvi fazer”, respondi. Ele apenas falou: “tudo bem”. Não deixou que me demitissem. Não censurou a matéria. Não reclamou. Entendi naquele instante quem era Ari Azevedo.
Coragem
Era uma manhã tranquila de 1996 ou 97. Finalizava uma matéria no computador. Fenelon Rocha era o novo editor do Meio Norte. Ari Azevedo o principal colunista do jornal. Ele mantinha a mesma sala, status e hábitos, “morava” naquela salinha nos fundos da redação. Foi dali que perguntou, tapando com a mão o telefone:
-“Ei, tu tem um gravador fácil por aí?”. Balancei a cabeça afirmativamente e segui com o gravador na mão, já procurando o final da última conversa. “Grava isso”, ele disse, colocando o telefone no viva-voz.
Era um capanga do Cel. Correia Lima, ex-policial, fazendo várias ameaças. Zangado, o Ari Azevedo rebatia cada fala na mesma moeda. Pouco tempo depois mostrou a gravação pro interlocutor:
- “Ó aqui abestado. Escuta aí. Quero ver tua cara quando o juiz ouvir isso aqui”.
Naquela época o crime organizado era muito forte no Piauí. Os jornalistas que se juntaram naquela sala para ouvir o restante da gravação não tinham dúvida: Ou o Ari era maluco ou tinha muita coragem.
“Vias do fato”
Algumas horas depois de ter sido gravado o policial que conversava com o Ari Azevedo invadiu a redação. Ao passar pelo corredor de vidro, ao lado da bancada de computadores, chamou a atenção dos poucos jornalistas que estavam na redação. Ele foi direto pra sala do Ari Azevedo, começou a “tomar satisfação”.
Demonstrando enorme sangue frio o Ari continuou digitando no computador, praticamente de costas para o policial. Naquela altura dos acontecimentos o editor Fenelon Rocha; os jornalistas João Carvalho e Walcy Vieira já estavam na porta da pequena sala, já antecipando o que viria a acontecer. Num dado momento Ari, ainda sentado, gira a cadeira e diz algo do tipo (não sei se com essas exatas palavras”:
- Rapaz, quero conversa contigo não. Não quero conversa com bandido.
Nesse momento o policial tenta sacar a arma. O jornalista João Carvalho o agarra pela cintura, prendendo os dois braços pra baixo. O jornalista Fenelon Rocha toma a arma. E saem os três aos empurrões pelo estreito corredor, até a portaria do jornal. Após a quase tragédia o Ari Azevedo sentou novamente na cadeira e terminou de redigir a coluna do dia seguinte, já colocando os novos fatos.
Até hoje conto essa história pros meus alunos de Jornalismo da UESPI. É o exemplo que recorro para explicar que jornalista de verdade não pode se intimidar. Nunca.
Senadinho
Depois de virar editor de Política do Jornal Meio Norte frequentei por algum tempo a seleta mesa que o Ari Azevedo parecia ter reservada na praça de alimentação do Teresina Shopping. Era inevitável porque dali, quase sempre, você saía com as principais pautas da semana seguinte. Políticos, jornalistas e autoridades estavam sempre presentes. Ali se fazia projeções sobre possíveis traições, votações, coligações e outros “senões” da política local. Ali, calado e obedecendo ao conselho de “manter a humildade”, tive importantes aulas práticas de Jornalismo político. Ali aumentei minha agenda de contatos. Aprendi que nessa área cordialidade e respeito com quem pensa diferente é essencial, porque naquela mesa a “esquerda” e a “direita” conviviam sem maiores problemas.
O que há de novo no front?
Hoje acompanho estarrecido as constantes perseguições ao Ari Azevedo. Entendo que bem antes de eu entrar no Jornalismo piauiense ele já era um profissional de destaque nessa área. Já cobria o crime organizado e era ameaçado rotineiramente. Chama a atenção que ameaças e atentados do crime organizado nunca tenham calado esse jornalista durante anos. E agora ele é silenciado justo pela “Justiça” piauiense? Mistério.
Por. Prof. Me. Américo L. Abreu
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