Pilla e parlamentarismo

Coluna de 25 de junho de 2024​​

Toda a classe política e os estudiosos da ciência política chegaram à  unanimidade na denominação do atual sistema de governo do Brasil como presidencialismo de coalizão, que tanto tem feito sofrer o Presidente Lula. Certo ou errado, passou a ser chamada assim essa maneira de funcionamento do Congresso, extrapolando para o campo do Executivo no seu relacionamento com os partidos políticos.
Mas aqui e ali, de boca em boca, ou de sussurro em sussurro, todos falam que  caminhamos  para o parlamentarismo, experiência adotada como fórmula para superar a crise gerada com os militares, em 1961, para que Jango pudesse assumir o Governo, após a renúncia do Jânio. Mas aquele não era um parlamentarismo e sim um arremedo de solução para superar um problema político. Tanto é verdade que, na própria Emenda que o adotou, já estava o germe  de sua extinção: o Plebiscito, que depois veio a realizar-se.
Para mim o problema agora é mais sério. Ele será o ponto central da discussão que vai estabelecer-se quando entrar em debate a Reforma Política, talvez a mais urgente e necessária de todas.
Quando falo de parlamentarismo não posso fugir à lembrança de um grande homem público do nosso País, exemplo de fidelidade aos seus ideais, de austeridade, de compostura, de cultura, admirado pela sua vida política dedicada à causa do parlamentarismo, de que se tornou símbolo: lembro Raul Pilla. Quando cheguei à Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, em 1955, não pude resistir à emoção ao ver, em carne e  osso, a figura lendária do grande brasileiro — estatura regular, magro, cabeleira bem grande, já velho, andando devagar, bem surdo, com um aparelho para amplificar sua voz e a do seu interlocutor, usado preso no paletó — sempre cercado do carinho e do respeito da Casa. Ele fundara o Partido Libertador e era como um símbolo dele, num tempo em que o Brasil só possuía partidos regionais. O PL (Partido Libertador) era do Rio Grande do Sul, onde os políticos gaúchos defendiam sempre uma causa num nível de fanatismo. Lembro Pinheiro Machado com seu republicanismo; Assis Brasil com o voto proporcional; Julio de Castilho, positivista; Bento Gonçalves, com os ideais de independência que levaram à Guerra dos Farrapos, e tantos outros notáveis gaúchos com quem convivi, como Paulo Brossard e Daniel Krieger.
O tal presidencialismo de coalizão tem-nos imposto algumas práticas estranhas, que levaram nossa democracia à beira do desastre. Felizmente o Brasil é maior que seus problemas e tem superado as crises paroxísticas que enfrentamos e assim conseguimos chegar ao Estado Democrático de Direito de que gozamos — atravessamos a passagem do regime autoritário para a democracia plena, cuja condução coube a mim, inclusive deixando uma Constituição que se tornou a mais longeva sem hiatos.
Os ideais de Raul Pilla estão vivos, e sua figura será sempre lembrada. Afonso Arinos, o extraordinário estadista de nossa história e notável pensador, sobre cuja obra até hoje se reflete, era presidencialista e converteu-se ao parlamentarismo como confessa no seu “O Som do outro Sino”, páginas que devem ser relidas sempre.
Entre esse anárquico presidencialismo, incapaz de produzir lideranças, e o parlamentarismo, que no Império produziu extraordinários líderes e assegurou a unidade nacional, a escolha é óbvia.

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