Risco de Morte ou Risco de Vida

Risco de Morte ou Risco de Vida

Não raro, gera-se em escritos e na comunicação um conflito para se saber qual a expressão mais correta dentro de um contexto na descrição de determinado caso concreto, se "risco de morte" ou “risco de vida”.

“De fato, de uns tempos para cá muitos jornalistas (sobretudo no rádio e na TV) deixaram de empregar a expressão “risco de vida”, que foi substituída por “risco de morte”. No entanto, não há nenhum motivo para o banimento de “risco de vida” (“Ele ainda corre risco de vida”; “Ela não corre mais risco de vida”), construção tão legítima quanto “risco de morte” (“Ele ainda corre risco de morte”; “Ela não corre mais risco de morte”). As duas expressões são perfeitamente possíveis. Em “risco de vida” há mesmo a elipse (omissão de termo que se deduz). Quando se diz “Ele não corre risco de vida”, deixa-se elíptico o bloco “perder a”, isto é, “Ele não corre risco de vida” equivale a “Ele não corre risco de perder a vida” (Professor Pasquale Cipro Neto).

De forma didática, o professor de gramática, José Maria da Costa, tira as dúvidas:

1) Um leitor indaga qual a forma correta de se dizer: Risco de Morte ou Risco de Vida? E também questiona se é correto empregar Risco de Morrer.

2) Num primeiro aspecto, é correta a expressão risco de morrer, e contra ela não parece haver possibilidade de maiores questionamentos. Ex.: "A paciente corre o risco de morrer durante a cirurgia".

3) Por outro lado, para se entender bem o restante do problema, é importante dizer que, tradicionalmente, a expressão empregada quase sempre foi risco de vida. Assim foi o uso de nossos avós, e assim empregaram maciçamente os nossos literatos mais considerados ao longo dos tempos.

4) Para se ter uma idéia da dimensão do emprego de ambas as expressões ainda nos dias de hoje, basta anotar que uma pesquisa de tais expressões no Google dá um resultado de 27.000.000 de registros para risco de vida, enquanto apenas 284.000 registros para risco de morte, o que mostra a preferência pela primeira delas.

5) Por outro lado, não se pode negar que, de uns tempos para cá, houve a redescoberta da expressão risco de morte, a qual, impulsionada pela defesa do prestigiado Professor Pasquale Cipro Neto em um de seus programas pela televisão, acabou por se tornar verdadeiro modismo nos meios de comunicação.

6) O que se ouve, porém, com frequência, é que o referido professor foi alguém que inventou a expressão risco de morte e a quer impingir à população, como se fosse ele um ditador da Gramática.

7) O certo, contudo, é que tem ele a seu favor, no mínimo, quatro aspectos relevantes: I) ao que parece, ele não apontou erro algum na expressão risco de vida; II) o que ele fez, em verdade, foi apenas afiançar ser correta a expressão risco de morte; III) e ele está correto, quando diz ser correta a expressão risco de morte; IV) por fim, também se deve acrescentar que não foi ele o inventor dessa expressão por último referida.

8) Em verdade, em obra publicada há quase trinta anos, o sempre lembrado mestre Napoleão Mendes de Almeida já observava, em defesa dessa expressão, que, "se dizemos 'correr o risco de morrer', 'correr o perigo de morrer', acertado é também que digamos 'correr o risco de morte', 'correr o perigo de morte'...”.

9) Com tais ponderações, que parecem ser de total oportunidade, é possível afirmar que as duas expressões são vernáculas e corretas, e ambas trazem o mesmo conteúdo semântico.

10) Além disso, sem exageradas preocupações de ordem gramatical, em ambas se pode ver a ocorrência de uma elipse: I) em risco de vida, está claro que o significado é o risco de (perder a) vida; II) em risco de morte, não menos certa é a acepção do risco de (encontrar a) morte.

11) Verificando nossa legislação – apenas no que tange aos códigos, sem busca na legislação esparsa – podem-se afirmar os seguintes aspectos: I) não se encontrou nenhuma referência à expressão risco de morte; II) foram encontrados apenas três exemplos da expressão risco de vida, todas elas no recente Código Civil de 2002: a) "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica" (CC, art. 15); b) "Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau" (CC, art. 1.540); c) "O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo" (CC, art. 1.542, § 2º).

12) Apenas a título de ilustração final, anota-se que essa convivência de expressões aparentemente opostas, mas com o mesmo conteúdo semântico, não ocorre apenas em português, já que existem tais expressões, em mesmos moldes, no inglês (risk of life e risk of death), no espanhol (riesgo de vida e riesgo de muerte) e no francês (risque de vie e risque de mort).

Como tema palpitante, oportuna é a posição da professora de português, Flávia Neves, revisora e lexicógrafa carioca, licenciada pela Escola Superior de Educação do Porto, em Portugal, e que atua nas áreas da Didática e da Pedagogia. Veja:

“As duas expressões são corretas e sinônimas. Embora formadas por palavras antônimas (vida e morte) possuem a mesma intenção comunicativa, indicando que alguém se encontra numa situação de perigo que pode ocasionar sua morte. Podemos verificar o uso das duas expressões na literatura e na comunicação social. São também sinônimas das expressões perigo de vida e perigo de morte”.

“A expressão risco de vida foi durante muito tempo considerada a mais correta. Foi contestada por haver incoerência a nível semântico, passando assim a ser utilizada, por alguns, a expressão risco de morte. Contudo, estando consagrada pelo uso, é ainda a expressão preferida e mais utilizada pelos falantes”.

“Esta expressão transmite a ideia de se pôr a vida em perigo, ou seja, correr o risco de perder a vida. Ocorre uma elipse nesta expressão, visto as palavras de perder se encontrarem omissas, sendo apenas subentendidas pelo contexto”.

“Os defensores da expressão risco de morte estabelecem um paralelismo com outras expressões em que há riscos ou perigos, como risco de infecção, risco de queda, risco de afogamento, risco de asfixia,… Essa expressão permite também que a palavra morte venha adjetivada”.

No entanto, em que pese os enriquecedores argumentos gramaticais, para o Direito propriamente dito há ainda muita controvérsia, prevalecendo a expressão “risco de vida” e não “risco de morte”. Porque a Constituição consagra o “direito à vida” e não o “direito à morte”. Todos nós temos o “direito de viver” e não o “direito de morrer”.

O direito à vida é o bem mais relevante de todo ser humano. “Contrario sensu”, a morte não tem relevância. Como assinala Paulo Gustavo Gonet Branco, em seu “Curso de Direito Constitucional”, 5ª Ed., São Paulo, Saraiva, p. 441, a existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Lei Maior. E que esses direitos têm nos marcos da vida de cada individuo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito a vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse.

O Estado garante a vida e não a morte – exceção à regra apenas para o caso da eutanásia, ainda que controversa a decisão para se decidir sobre a própria vida quanto à pessoa enferma em fase terminal. No Brasil é crime! Podendo caracterizar um ilícito penal de várias formas.

Por fim, gramaticalmente, como vimos das abalizadas posições, não há diferença entre “risco de morte” e “risco de vida”. No entanto, para o Direito, quando se aplica a hermenêutica constitucional, há, sim, uma diferença fundamental. Isso porque o “risco de vida” não está apenas fundado numa relação de trabalho, mas em todo risco que o ser humano é submetido ou exposto, tratando-se, pois, de perigo constante/ininterrupto à vida, bem este protegido pela Constituição Federal. Em resumo, para o Direito e a lei, “risco de vida”.

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