Eu sou do tempo em que mentir era feio. Agora é profissão

Os mentirosos estão em alta, ganhando dinheiro com mentiras espalhadas no vasto mundo da internet

Perdi minha mãe aos 10 anos de idade. Ela morreu em 1976, vítima de meningite, que se espalhou pelo país enquanto a ditadura vigente tratava de omitir a gravidade do problema sanitário. Antes de ir ao túmulo, minha mãe de ensinou: “Quem mente, rouba!”. Mentir era feio, antessala do crime. Nos tempos atuais, mentir virou profissão. E bem remunerada. Quem mente ganha audiência e monetiza a mentira em redes sociais. 

Foto: Reprodução

Não me declaro velho com 58 anos, tampouco ultrapassado, muito menos pré-idoso. Prefiro me ver como um clássico. Sou pessoa de um tempo em que a mentira tinha pernas curtas, de tal sorte que sempre era capturável e o mentiroso poderia ter a má-sorte de ser desmascarado. Hoje, essa é uma realidade presente apenas na ficção. 

Os mentirosos estão em alta, ganhando dinheiro com mentiras espalhadas no vasto mundo da internet, que sem regulação virou uma zona – naquele sentido que se usava no “meu tempo”. Na “zona” de conforto da inexistência de um marco legal punitivo, a mentira prospera como negócio rentável.

No “meu tempo” se sabia que havia mentiras, mais ainda na política, onde a mentira, o cinismo e a hipocrisia fazem parte da argamassa que pode construir, mas também destruir carreiras. Benjamin Disraeli, estadista inglês, bem definiu a mentira em tal universo: “Existem mentiras, as mentiras sujas e as estatísticas”. Atualmente temos mentiras mais ou menos remuneradas.

Se uma pessoa se der o trabalho de examinar o uso da mentira como arma política sempre poderá achar a danada nas mais variadas longitudes e latitudes, em qualquer tempo e em todas as civilizações. Porém, nunca como mecanismo principal de se ganhar dinheiro. A mentira sempre existiu para atingir um objetivo, destruir um adversário, obter poder – e até dinheiro, mediante extorsão, mas aí se configurava crime. Nos tempos atuis, não. Mente-se impunemente e com direito a dólares na conta com o sucesso de uma mentira bem-contada.

E se alguém aufere ganhos financeiros gerando ou espalhando notícias falsas, há que se apontar a existência de uma relação de demanda e oferta desse “produto” tão velho quanto a mais velhas das profissões – nestes tempos exercida por gente muito mais decente que os mentirosos que alegremente espalham mentiras, obtém um enorme sucesso e ganham dinheiro destruindo a cada vez mais acanhada senhora verdade.

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