Especialistas em acidentes aéreos ouvidos pelo jornal Correio Braziliense indicam que o acúmulo de gelo nas asas é a principal hipótese para explicar a queda do avião ATR da Voepass, que fazia a rota entre Cascavel (PR) e Guarulhos (SP) na manhã de ontem. No entanto, esse fator isolado não é suficiente para esclarecer por que a aeronave caiu.
Ainda há muitas perguntas, especialmente sobre a falta de comunicação dos pilotos com o controle de tráfego aéreo, que é um procedimento básico de segurança em caso de anormalidades no voo. Não houve nenhum contato entre a tripulação e a torre de controle do Aeroporto Internacional de Guarulhos antes do acidente.
Segundo o perito aeronáutico Daniel Calazans, "Boletins meteorológicos indicavam formação severa, então, não dá para concluir que essa seja a causa do acidente. Contudo, a gente tem uma boa linha de investigação. O congelamento das asas e a formação de gelo na superfície da aeronave é uma linha muito forte de investigação".
Na data do acidente, as regiões Sul e Sudeste registravam temperaturas extremamente baixas para a época do ano. De acordo com o especialista, a entrada de uma frente fria alterou significativamente as condições meteorológicas. "Na região em que ele estava voando, houve formação de gelo, e outras aeronaves pediram desvio daquela região. Essa aeronave, não sabemos o porquê, não solicitou nenhuma mudança (de rota ou altitude)", afirmou Calazans.
Ele explica que, diante de uma temperatura que favorecia a formação de gelo, "o piloto tinha que abandonar aquela altitude e descer a níveis com temperaturas mais altas para evitar a formação de gelo".
A teoria do acúmulo de gelo nas asas também é sustentada por pilotos experientes da Força Aérea Brasileira (FAB) como a mais provável para explicar o desastre. Um alto oficial ressalta, porém, que acidentes geralmente não acontecem por um único motivo, e que problemas mecânicos, elétricos, eletrônicos, além de possíveis erros humanos, também serão investigados.
Uma das questões centrais é entender por que o piloto não fez contato com a torre de controle de Guarulhos para relatar algum problema. "O avião, quando está prestes a entrar em estol (perda de sustentação), dá sinais ao piloto. E todos têm treinamento para sair dessa situação", disse o oficial. Ele lembra ainda que o ATR é uma aeronave equipada com sistema anticongelamento. A análise dos dados do sistema operacional do avião, contidos em uma das duas caixas-pretas recuperadas ontem, deve ajudar a responder a essas perguntas.
A Voepass, companhia aérea parceira da Latam, tem sede em Ribeirão Preto (SP) e atende 47 cidades. A empresa herdou a tradição da antiga Passaredo, a companhia aérea mais antiga em atividade no Brasil, que entrou em processo de recuperação judicial em 2012 para sanar uma dívida estimada em R$ 150 milhões. Em 2019, a empresa mudou seu nome para Voepass após adquirir a MAP, uma operadora de transporte regional que atuava no Norte do país.
Para o professor Gustavo Inácio de Moraes, da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a aquisição de empresas regionais por grandes companhias aéreas é uma tendência que já se consolidou no Brasil. "Com o fenômeno 'pandemia', por incrível que pareça, vimos grandes empresas aéreas em dificuldades, mas as empresas regionais acabaram tendo uma expansão muito importante naquele momento. A aquisição da Voepass pela Latam é uma tendência geral de mercado que já se consolida no Brasil", avaliou o professor.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira, afirmou que o Ministério Público paulista participará das investigações sobre o acidente aéreo, mas, por enquanto, não vê razão para interromper as atividades da Voepass. Ele classificou como "muito prematura" a medida de interromper as operações da companhia e destacou que o foco atual é atender as vítimas. "Não surgiu nenhum elemento emergencial que venha a tomar qualquer atitude de interrupção das atividades", ponderou.