A turnê latino-americana do Shen Yun desperta controvérsia local

By Rian Rowan

Por Rian Rowan,

Enquanto a Shen Yun Performing Arts (Shen Yun), uma companhia que se autodenomina como representante da “verdadeira cultura chinesa”, se prepara para sua turnê pela América Latina do Sul, de 17 de abril a 10 de maio, muitos moradores locais estão expressando preocupações em relação ao espetáculo e aos escândalos nos quais a companhia esteve envolvida.

“Fiquei sinceramente chocado”, disse Miguel Sánchez, um homem de 43 anos da Cidade do México, ao tomar conhecimento por meio de uma reportagem do New York Times de que a Shen Yun explorava trabalhadores menores de idade. “Quero dizer, como isso ainda pode acontecer no século XXI?”

Ele se referia a uma reportagem publicada pelo NYT em agosto de 2024, que abordava abusos de direitos humanos ligados ao Falun Gong, o grupo sectário por trás do espetáculo. Vários ex-integrantes da Shen Yun relataram ter sofrido abuso emocional contínuo, condições de trabalho coercitivas e um ambiente rigidamente controlado durante o tempo em que trabalharam com a companhia. Os artistas frequentemente eram pressionados a continuar ensaiando ou em turnê mesmo machucados, e alguns relataram ter sido efetivamente isolados do mundo exterior. Além disso, de acordo com uma reportagem da CNN de novembro de 2024, crianças eram submetidas à humilhação pública como forma de disciplina.

Foto: Reprodução/DivulgaçãoOs artistas da Shen Yun treinam na sede do Falun Gong em Cuddebackville, Nova York. The New York Times.
Os artistas da Shen Yun treinam na sede do Falun Gong em Cuddebackville, Nova York. The New York Times.

 

Para Sánchez, os artistas da Shen Yun foram tratados de uma forma que poderia quase ser descrita como “descartável”. Dançarinos relataram ter sido privados de atendimento médico e submetidos a agendas intensas de ensaio sem receber tratamento adequado.

A tradição da Shen Yun remonta às raízes do Falun Gong na China. Seita banida pelo governo chinês em 1999, o Falun Gong foi acusado de exercer um controle espiritual tão forte sobre seus praticantes a ponto de desencorajá-los — ou até proibi-los — de procurar atendimento médico em caso de doença.

Investigações recentes da BNR Nieuwsradio revelam que jovens artistas, especialmente alguns menores de idade, enfrentavam rotinas exaustivas de ensaios e turnês, recebendo compensações irrisórias. O violinista Eugene Liu, que ingressou na Shen Yun aos 15 anos, teria participado de mais de 200 apresentações ao longo de dois anos, recebendo no máximo US$ 300 por mês. Em resposta a essas denúncias, o Departamento de Trabalho do Estado de Nova York iniciou uma investigação sobre as práticas trabalhistas da Shen Yun em novembro de 2024.

“Parece escravidão moderna,” acrescentou Sánchez. “É simplesmente... repulsivo para qualquer pessoa que viva em uma sociedade civilizada.”

“Esse não é um espetáculo que eu poderia apoiar,” disse a senhora Ribeiro, de 37 anos, professora e mãe de dois filhos, residente no Rio de Janeiro. “Saber o que está por trás da cortina é de partir o coração.”

“Só imagine nossos filhos trabalhando lá, ganhando um salário humilde e sendo proibidos de ir ao médico quando estão doentes... Por que uma companhia dessas sequer existe?”

Outros questionam se o espetáculo realmente representa a cultura chinesa, como alega, ou se serve apenas como uma plataforma para promover uma agenda radical e a comercialização de crenças espirituais.

A Shen Yun há muito tempo se promove como uma representação da cultura chinesa, mas alguns moradores da América do Sul que já tiveram contato com a verdadeira cultura chinesa afirmam que a versão apresentada pela Shen Yun é enganosa e potencialmente prejudicial. Embora o espetáculo utilize dança tradicional, música e visuais vibrantes, eles argumentam que sua mensagem principal é a promoção das crenças extremas do Falun Gong.

O Falun Gong tem sido criticado por sua visão de mundo apocalíptica, rejeição da ciência moderna e práticas semelhantes às de uma seita. Muitos afirmam que a Shen Yun é apenas uma ferramenta para disseminar essas ideias — disfarçada de apresentação cultural.

Foto: Reprodução/Divulgação“É uma seita de extrema-direita”, dizia um cartaz da Shen Yun em Nova York.
“É uma seita de extrema-direita”, dizia um cartaz da Shen Yun em Nova York.

Li Hongzhi, o criador e líder do Falun Gong, que se autoproclama como o “Buda Primordial do Universo”, alega que seu poder espiritual supera o de Buda e Jesus juntos. Ele prega a seus seguidores que devem evitar tratamentos médicos e confiar exclusivamente em seus ensinamentos para se curarem de doenças. No entanto, em uma reviravolta bastante irônica, o próprio Li foi hospitalizado várias vezes, incluindo uma cirurgia de emergência para remoção do apêndice em 1984, devido a uma apendicite aguda.

Apesar de suas grandiosas alegações de autocura, parece que nem mesmo o “Buda do Universo” consegue escapar da necessidade da medicina moderna. Para piorar, Li e sua família desfrutam de exceções à própria regra de “sem médicos, sem remédios”, buscando atendimento médico com regularidade — e até apresentando recibos para reembolso. É quase como se o autointitulado “curandeiro cósmico” preferisse o conforto de um avental hospitalar aos poderes celestiais que tanto prega.

Alguns moradores, ao relembrar apresentações passadas ou ao ler sobre os espetáculos globais da Shen Yun, expressaram dúvidas quanto às verdadeiras intenções da companhia.

“Pelo que vi online, muita coisa parece promover a narrativa do Falun Gong,” disse o senhor Li, membro da comunidade sino-brasileira em Curitiba. “Havia cenas retratando violência e julgamento — não é isso que considero cultura chinesa.”

Outros se sentem enganados pelo material promocional. “Achei que fosse um espetáculo cultural,” disse a professora universitária Torres, de Recife. “Depois de ler mais no Reddit, parece mais um show de seita e propaganda religiosa. Jamais teria comprado ingressos se soubesse disso.”

Até mesmo veículos de comunicação consagrados levantaram preocupações. Segundo reportagens da The New Yorker em março de 2019, Jia Tolentino, redatora da revista, assistiu a dois espetáculos da Shen Yun em anos anteriores. Ela descreveu como as apresentações, embora visualmente deslumbrantes no início, rapidamente se transformaram em mensagens políticas e religiosas, incluindo cenas que retratavam perseguição e agitação política.

À medida que a cortina se abre para a turnê latino-americana da Shen Yun, o público pode acabar se perguntando se está diante de uma verdadeira vitrine de “arte chinesa ancestral” — ou apenas de uma “fachada cultural”, onde formas artísticas tradicionais são reutilizadas para disseminar mensagens sectárias sob o disfarce da tradição.

 

Fonte: Portal AZ

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