Prisão de Tatiana agride literalmente o art. 312, do CPP
Prisão cautelar nenhuma deve ter caráter sancionatório
O art. 312, do Código de Processo Penal (CPP), prescreve: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria".
- Participe do nosso grupo de WhatsApp
- Participe do nosso grupo de Telegram
- Confira os jogos e classificação dos principais campeonatos
Como se verifica, o dispositivo é formado por cinco núcleos distintos. Vamos, então, analisá-los:
Em tese, passou a ser comum a nulidade da prisão preventiva para a garantia da ordem pública sob o fundamento do acautelamento da Instrução Criminal, tutelando interesses genéricos da sociedade. Invariavelmente, atuar dessa forma implica em antecipação de pena, mormente em casos concretos sem denúncia formalizada.
Andrey Borges de Mendonça e Guilherme Nucci têm uma posição firmada, de que a prisão preventiva, para fins de garantia da ordem pública, não possui finalidade de prevenção geral ou especial, mas, sim, de prevenção concreta, com o intuito de evitar que a sociedade sofra um dano concreto e iminente em seus bens jurídicos relevantes.
No caso Tatiana, qual seria o dano concreto e iminente sendo ela vereadora? Ellen Gracie, hoje ministra aposentada do Supremo Tribunal Federal (STF),no Habeas Corpus nº 83.868-5/AM, disse que o CPP permite a prisão preventiva na hipótese de “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa”.
Observe que a ministra trouxe à colação os seguintes núcleos: perigo, perturbação da ordem e tranquilidade pública. A vereadora citada seria - e/ou será - um perigo para sociedade teresinense; seu ato delituoso, se provado, representa intranquilidade social?
A conveniência da instrução criminal está intrinsecamente ligada à instauração do processo-crime. Que somente poderá ser identificada em processo e instrução formalizados.
Também a conveniência da instrução criminal fica a depender da prova da "periculosidade". Como se admitir uma prisão cautelar contra uma vereadora sob uma suposta (em tese) periculosidade, evidenciada apenas pela gravidade da conduta? Na Criminalística, periculosidade não se supõe, prova-se!
Assim, sem o perigo para a sociedade, para a garantia da ordem pública e periculosidade, no caso concreto, não se justifica uma medida de custódia excepcional.
Ademais, ao que parece, os fatos supostamente criminosos trazidos à baila foram (em tese) perpetrados em tempo pretérito e não contemporâneos. O § 2º, do art. 312, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei nº 13.964/2019, exige contemporaneidade entre a prisão preventiva e os fatos que a fundamentam (o que já era o entendimento jurisprudencial antes mesmo da referida alteração legislativa), senão vejamos: ‘A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada".
“No particular, é importante transcrever o disposto no art. 315, § 1º, do CPP, segundo o qual, na motivação da decretação da prisão preventiva, ‘o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada’. Nas palavras do doutrinador Norberto Avena, a ‘contemporaneidade é condição que tem sentido de atualidade entre o momento da decisão judicial que decretar a prisão preventiva e a situação caracterizadora de perigo concreto à ordem pública’. Para o festejado processualista, a constatação de contemporaneidade não está necessariamente vinculada à proximidade temporal do fato imputado ao agente. Logo, é possível reconhecê-la como argumento hábil à decretação da prisão preventiva quando, mesmo transcorrido lapso considerável desde a data do crime até o momento da expedição do decreto prisional, sobrevierem atos, fatos ou circunstâncias que apontem a ocorrência dos riscos que se pretende evitar com a prisão cautelar’ (in TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL - Acórdão 1276716, 07282382120208070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 20/8/2020, publicado no DJE: 1/9/2020).
No caso em exame, não se pode falar em contemporaneidade, isso porque os fatos que serviram de base à constatação supostamente delitiva da vereadora Tatiana Medeiros não são recentes. Ou seja, não existe notícia de outros atos que apontem a necessidade da segregação preventiva relativamente à eleição municipal passada. Aliás, processo político-eleitoral findo.
O princípio da contemporaneidade é um conceito essencial relacionado à prisão preventiva, que impõe a necessidade de que os motivos da decretação da medida sejam atuais e concretos no momento de sua imposição.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que, o princípio visa evitar que a prisão preventiva seja utilizada de forma punitiva e desproporcional. Portanto, , somente há oportunidade para sua decretação quando há um perigo real e imediato de que sem ela haja prejuízos à ordem pública ou à instrução do processo.
A falta de contemporaneidade nas razões que motivam a preventiva pode e deve levar à sua nulidade, protegendo o direito à liberdade e o devido processo legal. Porque a prisão reportada não deve se constituir em antecipação de pena ou medida sancionatória, acentua o tribunal.
Fonte: Portal AZ