Apps de apostas pré-instalados em celulares geram polêmica sobre saúde e consumo
Idec classifica prática como venda casada; especialistas alertam para riscos de dependência
A compra de um celular novo por Bruno Paim, de 27 anos, de São Luís (MA), na última quinta-feira (05/09), revelou uma prática preocupante no mercado de smartphones: a pré-instalação de aplicativos de apostas esportivas. Bruno, ao ligar o aparelho pela primeira vez, descobriu que os apps Sportingbet e 365Scores já vinham instalados de fábrica. Indignado e preocupado com familiares que sofrem de vício em jogos, ele desinstalou imediatamente os aplicativos e compartilhou sua experiência nas redes sociais, destacando que "é como dar doce a um diabético".

O incidente de Bruno desencadeou uma série de relatos semelhantes, evidenciando que a prática de instalar apps de apostas esportivas vem ganhando espaço em marcas como Motorola e Samsung, as mais vendidas no Brasil com sistemas Android. Segundo Bruno, tanto seu celular quanto o adquirido para sua avó vieram com esses apps já prontos para uso, gerando preocupação sobre a facilitação do acesso a apostas, especialmente para indivíduos vulneráveis.
A prática de pré-instalação de aplicativos, conhecidos no mercado como bloatwares, inclui uma variedade de programas como redes sociais, serviços de meteorologia e, recentemente, serviços de apostas esportivas. De acordo com a consultoria GfK, a Motorola e a Samsung têm liderado a venda de smartphones Android no Brasil, o que amplifica o alcance desses aplicativos.
Inicialmente, ambas as empresas negaram a pré-instalação dos apps de apostas. A Motorola afirmou que não instala tais aplicativos de fábrica e que quaisquer sugestões de instalação ocorrem de acordo com a avaliação da Play Store. Contudo, após a reportagem da BBC News Brasil, a Motorola admitiu que sugeria a instalação de apps de apostas, mas afirmou que a prática foi abandonada e que os apps foram removidos das recomendações.
A Samsung também negou a prática, mas a reportagem apresentou evidências de um usuário que encontrou um app de apostas pré-instalado. A empresa manteve que apenas sugere a instalação de aplicativos mais baixados e que a instalação ocorre mediante autorização do usuário. Entretanto, especialistas como Luiz Augusto D’Urso, advogado e professor de direito digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), contestam essa defesa, afirmando que a instalação automática dos apps, sem consentimento explícito, ainda configura uma forma de venda casada.
Os aplicativos Sportingbet e 365Scores, conforme informado pela própria empresa Sportingbet, não são apps oficiais e não permitem apostas diretamente através deles. A Sportingbet negou qualquer controle sobre apps pré-instalados e afirmou que o app encontrado não pertence à companhia, enfatizando que atualmente não estão disponíveis nas lojas oficiais como a Play Store.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) reconhece a gravidade do uso abusivo de aplicativos de apostas, especialmente para pessoas vulneráveis, mas destaca que ainda não há regulamentações específicas no Brasil. Diversos projetos de lei estão em tramitação para definir critérios sobre a pré-instalação de aplicativos, inspirados em legislações europeias que já possuem regras estabelecidas.
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) classifica a pré-instalação de apps de apostas como venda casada, argumentando que a prática configura uma oferta de serviços não solicitados, aproveitando-se da vulnerabilidade dos consumidores. Lucas Marcon, advogado do Idec, ressalta que essa prática pode ser considerada abusiva, especialmente porque crianças e adolescentes são impedidos por lei de participar de apostas.
Por outro lado, o Procon defende que a instalação de bloatwares não configura venda casada, desde que os aplicativos possam ser removidos sem custos adicionais. Contudo, o órgão reconhece que o acesso a esses aplicativos deve ser restrito a menores e pessoas diagnosticadas com ludopatia.
Além das implicações legais, os especialistas em saúde mental alertam para os riscos da pré-instalação de apps de apostas. O psiquiatra Luís Guilherme Labinas explica que a presença desses aplicativos pode desencadear comportamentos compulsivos, com a liberação de dopamina reforçando o comportamento de aposta. “Esses apps exploram vulnerabilidades psicológicas, utilizando técnicas como recompensa intermitente para manter os usuários engajados, perpetuando a dependência”, afirma Labinas.
A falta de regulamentação específica no Brasil contrasta com práticas já estabelecidas em outros países. Nos Estados Unidos, a regulamentação de apostas esportivas varia por estado, enquanto na Europa, países como Reino Unido, Espanha e Itália possuem legislações detalhadas que controlam a instalação e operação de aplicativos de apostas, incluindo licenças, taxas e medidas de prevenção de vícios.
No Brasil, o mercado de apostas virtuais está em expansão, com 108 empresas apresentando 113 pedidos para operar no país. A regulamentação prevê que empresas autorizadas poderão iniciar suas operações a partir de 1º de janeiro de 2025, com altos investimentos e expectativas de arrecadação significativa para o governo federal.
Entretanto, com o crescimento do mercado de apostas, surge a necessidade urgente de regulamentação para proteger a saúde mental e financeira dos consumidores. Ione Amorim, consultora do Idec, enfatiza que a falta de regras específicas pode levar a práticas de marketing agressivas e abusivas, induzindo consumidores a desenvolver dependências e enfrentarem prejuízos financeiros.
O mercado bilionário das apostas virtuais no Brasil, aliado à popularização dos smartphones, coloca em evidência a urgência de medidas regulatórias que equilibrem o crescimento econômico com a responsabilidade social. Enquanto a legislação ainda se desenvolve, a sociedade e os órgãos reguladores enfrentam o desafio de mitigar os riscos associados à pré-instalação de aplicativos de apostas, protegendo especialmente os grupos mais vulneráveis.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) indicou que, embora não haja ilegalidade na pré-instalação, é essencial que os consumidores possam remover os aplicativos facilmente, evitando práticas abusivas. O órgão também planeja notificar casos de instalação automática sem consentimento, buscando entender melhor a extensão e os impactos dessas práticas.
Com mais de 258 milhões de smartphones em uso no Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a preocupação com a instalação de apps de apostas nos dispositivos móveis é uma questão que afeta um vasto número de usuários, destacando a necessidade de regulamentações claras e eficazes para prevenir o aumento dos casos de dependência e prejuízos financeiros decorrentes do uso indiscriminado desses aplicativos.
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Fonte: Correio Braziliense