Conheça o povo Warao: índios venezuelanos que encontraram refúgio em Teresina
Capital faz aniversário e sua maior característica é a hospitalidade
Ao completar 167 anos, Teresina se torna o refúgio do povo Warao. De etnia indígena, essas pessoas habitavam o Nordeste da Venezuela e percorreram 4 mil quilômetros até a capital piauiense na tentativa de fugir da crise política e econômica que assola o país desde 2015.
- Participe do nosso grupo de WhatsApp
- Participe do nosso grupo de Telegram
- Confira os jogos e classificação dos principais campeonatos
Teresina completa 167 anos, nesta sexta-feita ( Foto: reprodução/PMT)
Buscando sobreviverem em melhores condições, muitos venezuelanos começaram a imigrar em maiores números para alguns países da América Latina. Na fronteira do Brasil com a Venezuela, o município de Pacaraima, a cerca de 200 km de distância da capital do estado de Roraima, Boa Vista, tem recebido parte deste fluxo, em meio ao surgimento de conflitos sociais.
Os Warao buscam refúgio em Teresina ( Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)
Diferente dos venezuelanos não indígenas, que conseguiram refúgio em outros lugares do Brasil, os Warao estão, em maior número, se deslocando para Teresina, no Piauí.
O primeiro grupo com 52 pessoas, entre adultos e crianças, se acomodou em acampamento improvisado debaixo de árvores e sobreviveram de doações por alguns dias, na Praça Saraiva, no Centro da Teresina. Depois, alguns resolveram deixar a capital e seguiram rumos desconhecidos.
Warao chegam à Teresina e acampam em praça( Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)
Os Warao, que significa “povo da canoa”, chegaram na capital , em 13 de maio desse ano, com fome, sede e precisando de ajuda médica. Dias depois eles foram abrigados pela Prefeitura de Teresina, após um intenso trabalho para que saíssem das ruas e não pedissem esmolas.
Antigo CSU do Buenos Aires, zona Norte de Teresina, local onde estão 112 Warao( Foto: Eduardo Marchao/Semcaspi)
A Prefeitura de Teresina conseguiu cadastrar 206 venezuelanos que estão acomodados em dois abrigos da capital. Segundo o último levantamento realizado pela Semcaspi, na capital, vivem atualmente 180 refugiados. Dentre esses, 112 Waraos estão no abrigo do antigo CSU do Buenos Aires, zona Norte de Teresina. O local foi cedido pelo Governo do Estado é administrado pela Prefeitura de Teresina, através da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi). Cerca de 40% dos que estão na capital são crianças e adolescentes.
Warao Yovini Torres Blanco e família( Foto: Eduardo Marchao/Semcaspi)
“Antes de chegarmos ao Piauí, passamos por Boa Vista, Pacaraima, Manaus, Amazonas, Pará, Santarém e de Belém. Nessas cidades havia abrigo, mas também muitas pessoas. A nossa maior dificuldade no Brasil é a língua e o modo de viver, pois lá morávamos em contato direto com a natureza, diferente daqui”, afirma o Warao Yovini Torres Blanco.
Assim, arriscando a vida à procura de melhores condições , sofrendo com as mudanças culturais, os Warao acreditam que Teresina pode ser a cidade dos sonhos e da esperança.
“Eu sai da Venezuela com um sonho de conseguir um trabalho pra viver com minha família. Passamos muitas dificuldades na Venezuela e hoje temos uma esperança, estamos agradecidos com os brasileiros, mas conseguir um trabalho seria a realização de um sonho, somos um povo trabalhador e acreditamos que aqui podemos viver melhor”, declara Yovini Blanco.
Guerreiro, Cacique Warao( Foto: Eduardo Marchao/Semcaspi)
Guerreiro, cacique dos Warao, disse que inicialmente veio para Teresina com a intenção de ficar por pouco tempo, mas agora não sabe mais se isso vai acontecer. “Já passamos por várias cidades e a nossa intenção era apenas passar por mais uma, mas chegamos aqui e agora não sabemos mais se é isso que queremos. Sabemos que precisamos de trabalho, não podemos voltar para a Venezuela”, declara Guerreiro, Cacique dos Warao no abrigo do CSU do Buenos Aires, zona Norte de Teresina.
Os Warao mantêm as tradições culinárias de seu povo ( Foto: Adriana Oliveira/Portal AZ)
Entre dificuldades de adaptação sociocultural, os Warao passam pela difícil tarefa de recomeçar a vida em outro país. Assim, a palavra aprendizado seria a melhor que se encaixaria nesse contexto, tanto para eles, um povo marcado pela desigualdade de um país em conflito econômico e político, quanto para os teresinenses que estão realizando trabalhos com os Warao.
Charles Oliveira, coordenador do CSU do Bueno Aires e pesquisador indigenista( Foto: divulgação PMT)
“Nós estamos aprendendo os costumes deles para fazer uma tradução e apresentarmos a nossa cultura para eles. O povo da etnia Warao gosta de área livre, até porque eles saíram de um local de delta onde realizavam a pesca, caça e buscavam frutas na floresta, o que aqui foi traduzido para mendicância. No entanto, a Semcaspi tem conseguindo manter esse diálogo e dado toda assistência necessária”, afirma Charles Oliveira, coordenador do CSU do Bueno Aires e pesquisador indigenista.
Mesmo com a disponibilidade de fogão e de gás, os Warao mantém os costumes( Foto: Adriana Oliveira/Portal AZ)
O coordenador do abrigo acrescenta que os Warao estão se alimentando a base de peixes, frangos, arroz, macarrão, bananas, batatas, melancia e macaxeira. “A nossa maior dificuldade ainda está no padrão cultural, na forma com se alimentam e na língua. É sempre bom deixar claro que eles não são nômades, apenas adotaram uma medida extrema para fugir da situação política que se encontra na Venezuela”, declara.
Os Warao não sabem ler, não falam português e possuem dialeto e religião própria. No grupo, por exemplo, há um pajé, responsável por conduzir rituais de curaS. “Aqui não é uma instalação adequada para eles, mas é o que nós temos. Abrigamos eles em um prédio e as coisas começaram a acontecer, e como isso é uma novidade tanto pra eles quanto para nós, a secretaria está em contato com o Ministério Público Federal , com Ministério Público Estadual, com o Funai e com a Universidade Federal do Piauí para construírem juntos o plano de trabalho aos venezuelanos”, ressalta Charles Oliveira, coordenador do CSU do Bueno Aires.
Pajé Lautério Perez ( Foto: Eduardo Marchao/Semcaspi)
Um pouco mais sobre os Warao
Sendo o grupo étnico mais antigo da Venezuela, Os Warao habitam o país há mais de 8000 anos. Eles moram em palafitas construídas em ilhas sedimentares alagáveis, como o delta do rio Orinoco, no estado Delta Amacuro e regiões adjacentes dos estados Bolívar e Sucre, naquele país.
Warao, na língua nativa, significa “povo da canoa” porque a relação deste grupo com a água é íntima: são, tradicionalmente, pescadores e coletores, além de possuir grande habilidade com artesanato. Há cerca de 70 anos, foram convertidos em horticultores e vivem em comunidades de palafitas localizadas nas zonas ribeirinhas fluviais e marítimas, além de pântanos e bosques inundáveis da região de origem.
Edna Maria Goulart Joazeiro, docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPI( Foto: Adriana Oliveira/Portal AZ)
“Os Warao têm outro modo de pensar e de viver a vida. Eles não falam a nossa língua, eles não pensam como nós, porque não são oriundos daqui, não compartilham do mesmo modo de pensar o mundo, ou seja, sair de seu país já é difícil se você já compartilhar alguns códigos de cultura, imagina de uma cultura totalmente diferente da nossa, uma cultura centrada na natureza, na simplicidade da vida”, afirma Edna Maria Goulart Joazeiro, docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPI, Pós doutora em Serviço Social (PUC São Paulo); Doutora e Mestre em Educação (UNICAMP).
Em sua terra de origem, os Warao vivem em contato direto com a natureza( Foto: reprodução/internet)
“É importante que nos preparemos para o mundo marcado por essa diversidade e dificuldades, mas que a gente não seja fechado para reconhecer o lugar do outro, o direito, a possibilidade do outro ser diferente. Particularmente no século XXI, as culturas estão mais difíceis do que nunca de reconhecer o direito a diferença e precisamos rediscutir antigas formas de pensar que só tem um jeito de ser igual a mim mesmo sendo diferente” , acrescentou Edna Maria Goulart Joazeiro.
Especificamente acerca dessa questão, há que se ter em mente que os abrigos são uma solução paliativa e transitória. Se não há expectativas de mudanças no cenário venezuelano a curto e médio prazo, e os Warao vieram a Teresina em busca de refúgio( ajuda), há que se desenvolver políticas públicas que possam os enquadrar na sociedade e dá condições de vida, como trabalho, saúde e educação.
A Constituição Federal, no artigo 231, reconhece aos indígenas o direito à organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e também à terra tradicionalmente ocupada. Apesar de os warao não terem terra tradicionalmente ocupada no Brasil, isto não impede o exercício dos demais direitos, já que estes não são condicionados ao locus físico. Além disso, a Lei 5.371/67, que criou a Funai, e o Decreto 9.010/2017, que regulamenta seu estatuto, não restringem sua atuação a índios brasileiros ou transfronteiriços.