O dia em que Heráclito Fortes me tirou de tempo

O jornalista Carlos Augusto e eu entrevistávamos no Bom Dia Piauí o prefeito de Teresina, Heráclito Fortes

Por Redação Portal AZ,

À memória de Carlos Augusto e Deoclécio Dantas, queridos e inesquecíveis mestres.

Foto: Arquivo pessoalCom Deoclécio Dantas e Carlos Augusto, nos estúdios do "Bom Dia, Piauí" (1989)
Com Deoclécio Dantas e Carlos Augusto, nos estúdios do "Bom Dia, Piauí" (1989)

Nas celebrações dos 50 anos da TV Clube, trago mais esta: uma vez, o jornalista Carlos Augusto e eu entrevistávamos no Bom Dia Piauí o prefeito de Teresina, Heráclito Fortes.

Eu era o editor-chefe do programa e participava com frequência das entrevistas políticas, pois era também repórter político.

Carlos Augusto era o diretor de Jornalismo e apresentador do Bom Dia Piauí, ao lado do jornalista Deoclécio Dantas.

A audiência era arrebatadora porque, entre outros motivos, estavam juntos na TV os dois jornalistas de maior audiência do rádio do Piauí em todos os tempos.

Havia, entretanto, um acordo entre eles para que o Deoclécio não participasse das entrevistas com o governador Alberto Silva nem com o prefeito Heráclito Fortes.

Como Carlos Augusto, Deoclécio fora deputado estadual e, da militância política, ficaram algumas rusgas com Alberto Silva.

Também havia sido secretário do prefeito Heráclito Fortes.

Então, para evitar melindres, o próprio Deoclécio fazia questão de não entrevistá-los.

Nessas ocasiões e em muitas outras, eu ocupava a cadeira de Deoclécio na bancada do Bom Dia Piauí.

Da Turma do Poire

Muito bem! Heráclito estava aí pelo meio de sua administração (ele governou Teresina de 1º de janeiro 1989 a 1º de janeiro de 1993) e enfrentava duro e cerrado combate da oposição, liderada pelo ex-prefeito Wall Ferraz, fiador de sua eleição, em 1988.

Nos estúdios, enquanto o prefeito falava muito à vontade de sua gestão, eu empurrei uma pergunta desconcertante.

Heráclito ainda era muito jovem, mas já passado na casca do alho.

Em Brasília, após a recém-instalada Nova República, ele integrava a Turma do Poire (pronuncia-se puar), um seleto grupo de políticos amigos íntimos do deputado Ulysses Guimarães.

Esta turma se reunia semanalmente no sofisticado restaurante Piantella. Era o frisson dos repórteres políticos dos principais veículos de comunicação do país.

Devido à sua proximidade com Ulysses Guimarães, que era presidente do PMDB, da Câmara dos Deputados e da Assembleia Nacional Constituinte, Heráclito era muito solicitado pela imprensa nacional.

Era o mais jovem da Turma do Poire, conhecia meio mundo e transitava com muita desenvoltura nesse meio. Mas acabou que, durante a Constituinte, ele veio ser candidato a prefeito de Teresina e foi eleito.

Pergunta capciosa

Então, como eu dizia, no meio da entrevista, fiz uma pergunta um tanto capciosa, que insinuava desvio de conduta ética em algum ato do prefeito, que não lembro qual.

Digo meio capciosa, mas Heráclito tem o direito de qualificá-la como totalmente capciosa.

Ele fazia, afinal, uma grande gestão como prefeito, na qual incluíam-se uma ampla reforma administrativa, a criação do IPMT (Instituto de Previdência do Município de Teresina), a atualização do Código Tributário do Município e outras medidas de forte impacto.

Uma delas foi a campanha publicitária “Pega o Sujão”, voltada para a limpeza da cidade.

Outra foi a implantação do “SOS Teresina”, que, depois, em nível nacional, virou o Samu, além do início da construção do HUT (Hospital de Urgência de Teresina), uma obra arrojada.

A resposta

Mas eu, do auge de minha afobação, entendi de cutucar onça com vara curta com uma pergunta que destoava da realidade.

Heráclito se ajeitou na cadeira, olhou firme para mim e solicitou, incisivo:

– Não entendi sua pergunta. Repita, por favor!

Pra quê? Pego no contrapé, amarelei, como se diz hoje. Refiz a pergunta, dei uma volta desajeitada e, em vez de pimenta, joguei nela já uma boa dose de açúcar. Nem de longe ela se pareceu com a original.

Foi uma estratégia inteligente do prefeito para me tirar de tempo ao vivo e em cores.

Uma coisa era ser criticado pelos adversários, outra era receber na cara, na TV de maior audiência, a insinuação maldosa de um repórter que nada tinha ver com o peixe.

Vivendo e aprendendo.

Fonte: Zózimo Tavares

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