Advogado considera que interdição do CRM é “abuso de direito”

Hospital Geral do Buenos Aires é interditado depois que o CRM constatou irregularidades

Por Miguel Dias,

O advogado Miguel Dias Pinheiro contesta a ação de interdição do hospital municipal do bairro do Buenos Aires pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). Em artigo para o Portal AZ , o conhecido e admirado jurista piauiense diz que interdição de hospital compete a entidade pública e não de interesse privado, como é o CRM, que não tem amparo legal para tanto. 

Foto: CRM/DivulgaçãoAdvogado considera que é “abuso de direito” o ato de interdição de hospital pelo CRM
Advogado considera que é “abuso de direito” o ato de interdição de hospital pelo CRM

Leia na íntegra o artigo de Miguel Dias 

INTERDIÇÃO DE HOSPITAL PELO CRM 

Por Miguel Dias Pinheiro, advogado

Com o devido respeito, confesso que, juridicamente, achei estranha a "interdição" do Hospital Municipal do Buenos Aires em Teresina-PI pelo Conselho Regional de Medicina.

Juridicamente, uma pergunta não poderá calar: "O CRM tem competência constitucional para interditar hospital?"

Na sequência, outra indagação ressurge: "Para que serve o Conselho Regional de Medicina?"

Em verdade, sem delongas, à entidade estritamente privada compete fiscalizar a atuação dos médicos, garantindo que ela esteja de acordo com o Código de Ética da profissão. Ato contínuo, outra função do CRM é realizar o registro dos médicos e das entidades jurídicas, como as clínicas médicas, avaliando as capacidades do requerente e o quanto elas estão próximas ao que é necessário para exercer a profissão, conferindo a titulação de especialidade médica, por exemplo.

Regimentalmente, vamos resumir as competências:

1. avaliar as questões referentes à publicidade médica, garantindo que todas estejam de acordo com o que prega o Código de Ética e a legislação pertinente sobre o assunto;
 2. analisar os artigos científicos produzidos por médicos e veiculados à imprensa, garantindo que haja ética e responsabilidade na disseminação de conteúdo;
 3. executar o cancelamento ou a transferência dos médicos ou das instituições médicas, como no caso de alteração de clínica ou de consultório;
4. lutar para promover melhores condições de trabalho para os médicos, valorizando a profissão e pensando na sociedade.

Quais, então, as principais funções do Conselho Regional de Medicina:

1. zelar e manter a ética no exercício da medicina, atuando como judiciante nos casos dos processos de médicos que ferem a ética, podendo, até mesmo, realizar a cassação e a suspensão do registro do médico;
 2. trabalhar na regulamentação da prática da medicina;
 3. realizar atividades educativas, como publicação de periódicos, organização de eventos regionais e promoção de certificados de acreditação;
 4. realizar atividade cartorial, como de supervisionamento dos CRMs, elaboração do Código de Ética Médica, elaboração do Código de Processo Ético e de legislações correlatas, como de Publicidade Médica.
Além de atuar junto aos médicos, os Conselhos Regionais também desempenham um papel muito importante perante a sociedade, evidentemente!

Constitucionalmente, onde estaria ou estará a competência legal do CRM para interditar o Hospital Municipal do Buenos Aires em Teresina?

Não faz muito tempo, em Mangabeira, no Estado da Paraíba, o juiz federal Manuel Maia de Vasconcelos Neto considerou que o Conselho Regional de Medicina (CRM) não tinha - como não tem - competência para interditar, naquela época, o Complexo Hospitalar de Mangabeira (Trauminha). E, “sem pestanejar”, liminarmente, suspendeu a interdição e autorizou a reabertura do órgão público.

Ao considerar ilegal a determinação de um órgão privado e não público (CRM), sem poder de polícia, “ (...) o juiz sustentou que “a pretexto de contribuir para a dignidade do atendimento à população, a medida tomada (pelo CRM) implicaria, isto sim, em maiores danos – “(...) além da interdição gerar perigo de danos irreversíveis a pacientes”.

Ainda de conformidade com a decisão da época, na Paraíba, a decisão da Justiça Federal considerou o CRM como incompetente para fiscalizar ou interditar hospitais públicos ou privados, pois tal atribuição não lhe é dada pela Lei Federal n. 3.268/57 (art. 15).

O magistrado fez questão de salientar que, eticamente, o CRM estava, à época, atentando contra a própria política de saúde. Haja vista que a competência para tais procedimentos de fiscalização é da Vigilância Sanitária, órgão público inclusive jungido de poder da polícia, que se destina a assegurar o bem estar geral, controlar e deter as atividades contrárias à higiene, à saúde, à moralidade, ao sossego, ao conforto público, à ética urbana, etc.

Na conclusão, "interdição de hospital" por entidade com personalidade jurídica de direito privado não se insere no âmbito dos poderes da Administração Pública. Não! Porque considera-se Poder de Polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente – repita-se - à segurança, à higiene, à saúde, à ordem, aos costumes, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Sintetizando, como nos ensina a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles e tantos outros, "o Poder de Polícia é aquele concedido para a Administração Pública na busca da preservação do interesse Público. É através deste Poder que o Estado garante a segurança e aplicabilidade dos direitos inerentes à toda a Coletividade, utilizando, se necessário, de meios para que o Interesse do Particular seja limitado quando houver abuso ou perigo contra a Ordem Pública”.

Interditar hospital é competência exclusiva de entidades públicas, com “referundum”, em determinados casos, do Poder Judiciário. Assim, para tanto, refoge a competência privada, consistindo, pois, em “abuso de direito”.

Entenda do caso

O Hospital Geral do Buenos Aires, na zona Norte de Teresina, foi interditado na manhã de ontem (1°) depois que o Conselho Regional de Medicina constatou irregularidades. A unidade estava sem analgésicos e antibióticos e com escala de neonatologia incompleta, o que comprometia a segurança dos recém-nascidos da maternidade.

Segundo o conselho, em 27 de outubro, o hospital foi colocado em situação de indicativo de interdição ética. Em outra fiscalização realizada na quarta-feira (30) os conselheiros perceberam que não houve correção dos problemas detectados e decidiram interditar a unidade.

O que diz a FMS

A Fundação Municipal de Saúde informou que já tomou as providências necessárias para realocação dos pacientes do Hospital de Buenos Aires para outras unidades hospitalares. Esses locais tiveram reforço nas equipes de profissionais. 

"Diante da interdição ética do Hospital Geral do Buenos Aires, nós teremos reforço nas equipes que atenderão no Hospital José Sampaio, Hospital da Primavera e no Hospital Mariano Castelo Branco. São hospitais da zona Norte onde esse fluxo de pacientes deverá ser direcionado. As outras maternidades receberão esses pacientes que viriam para o Buenos Aires estamos providenciando de forma mais célere possível a resolução das pendências apontadas pelo CRM. Então em breve estaremos retornando as atividades normais do Hospital do Buenos Aires" disse o presidente da FMS, Gilberto Albuquerque.

Crise na saúde

Uma vistoria do CRM-PI apontou problemas na capital e no interior. Unidades sem condições de atendimento.

Ana Cláudia informou que o poder público já tinha sido avisado há pelo menos 30 dias das irregularidades, mas não tomou as providências para resolver. “Chegou ao ponto de não ter mais condições de atendimento, por isso, foi interditado. Não é o que queríamos. Nossa intenção é ajudar tantos os profissionais, quando os pacientes”, acrescentou a secretária geral do CRM-PI.

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Fonte: Portal AZ

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