Saúde não suspende portaria do aborto e enfurece bancada feminina na Câmara

Em vigor desde 27 de agosto, norma obriga médico a chamar a polícia e oferecer ultrassom para mulher ver o feto antes de decidir pelo aborto

Por Metrópoles,

Embora haja uma expectativa da bancada feminina da Câmara de que o Ministério da Saúde suspenda a portaria 2282/2020 que estabelece regras para o aborto legal no país, o orgão informou que não há previsão para revisão da norma. A pasta sustenta que as medidas em vigor desde o dia 27 de agosto devem permanecer, pois “visam ajustar normas técnicas à legislação atual, garantindo, assim, segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento”.

Saúde não suspende portaria do aborto e enfurece bancada feminina na Câmara (Foto:Alan Santos/PR)

“O Ministério da Saúde informa que não há previsão de suspensão da Portaria 2.282/202 e reitera que as medidas determinadas visam ajustar normas técnicas à legislação atual, garantindo, assim, segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento”, informou, por meio de nota.

“A portaria atualiza norma de 2017 do Ministério da Saúde, se adequando às diretrizes da Lei Federal nº 13.718 de 2018. O objetivo é reduzir o número de casos de violência sexual contra mulheres e crianças e apoiar as autoridades policiais na identificação dos responsáveis, garantindo a segurança e proteção de pacientes com indícios ou confirmação de abuso sexual. A partir da notificação policial se torna possível a instauração de procedimentos que possam levar à punição rápida dos criminosos”, argumentou a pasta, em nota enviada ao Metrópoles.

Procedimentos

A norma foi editada após o episódio da menina de 10 anos, que ficou grávida no Espírito Santo ao ter sido vítima de estupro desde os 6 anos. Ele acabou tendo sua identidade exposta e causou mobilização nacional de fundamentalistas religiosos contrários ao direito da menina à interrupção da gravidez. A criança precisou sair do estado para garantir o aborto legal.


Após suspeitas de vazamentos de seus dados por parte de integrantes do governo e parlamentares bolsonaristas, a pasta divulgou uma série de normas que, na prática, visam dificultar o acesso ao aborto legal. Entre essas normas está a obrigação do médico em comunicar a polícia quando for atender a vítima de violência sexual, o oferecimento de um exame de ultrassom para que a mulher ou mesmo a criança possa ver o feto dentro da barriga e uma série de questionamentos sobre como teria ocorrido o estupro.

Bancada

A coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Professora Dorinha (DEM-MS), manteve a posição externada na semana passada, quando disse que caso a portaria não fosse suspensa pela pasta com o objetivo de abrir um diálogo com a bancada, as parlamentares iriam apoiar a proposta de Projeto de Decreto Legislativo (PDL), que anula a postaria.

“Temos muita clareza que foi dito que haveria a suspensão.A Secretaria da Mulher da Câmara já se posicionou inclusive com uma proposta de um novo texto enviada ao governo para abrir um diálogo. Se isso não for feito, na próxima sessão nós queremos votar o PDL. Esse é o nosso procedimento de antes e será mantido”, informou a deputada.

Para ela, o prazo para que está questão seja resolvida não pode passar desta semana, visto que a portaria já está valendo desde o dia em que ela foi editada e com afrontas graves à legislação.

“Essa portaria foi feita de maneira atropelada, sem ouvir ninguém. Aparentemente como reação ao episódio da menina de 10 anos”, destacou a deputada, em entrevista ao Metrópoles.

Oposição

O Projeto de Decretado Legislativo sustando os efeitos da portaria foi apresentado logo após a edição da medida e é assinado por 10 deputadas de oposição, encabeçadas pela líder da Minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ). O PDL alega que a norma restringe direitos das mulheres vitimas de violência sexual, além dos demais casos que têm direito ao procedimento legal de interrupção da gravidez.

A líder disse que pretende pressionar para que o PDL seja votado o mais rapidamente possível. “É estarrecedor que o Ministério da Saúde mantenha a portaria depois de, publicamente, o chefe interino da pasta anunciar que iria voltar atrás. Depois de todo esse tempo e nada? As normas desta portaria ainda estão em vigor, o que coloca a vida das mulheres em risco ao dificultar o aborto previsto em lei. Vamos pressionar para votar o PDL que apresentei e que susta a portaria”, disse a deputada.

O projeto de decreto também é assinado pelas deputadas Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Perpétua Almeida (PCdoB/AC), Alice Portugal (PCdoB/BA), Sâmia Bomfim (PSOL/SP), Luiza Erundina (PSOL/SP), Lídice da Mata (PSB/BA), Natália Bonavides (PT/RN), Áurea Carolina (PSOL/MG) e Erika Kokay (PT/DF).

Entidade civil

Em nota pública divulgada nesta segunda-feira (14/09), diversas entidades reunidas da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto reforçaram o caráter ilegal da portaria e pediram a imediata suspensão da norma, “que introduz a tortura a mulheres e meninas usuárias do SUS, ao incluir vários processos dolorosos e violentadores para acesso ao aborto legal”.

“Afirmamos que há no país uma aliança patriarcal, fundamentalista e reacionária contra a autonomia e os direitos reprodutivos das mulheres e, queremos relembrar ao Ministério da Saúde e ao estado brasileiro, que em seu artigo 196, a Constituição Brasileira de 1988 – primeiro marco regulatório de toda a política de saúde no Brasil – afirma que: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’”.

“Ao condicionar a assistência em saúde à comunicação externa do estupro à polícia, independentemente da vontade da vítima, o Ministério da Saúde viola a autonomia das mulheres, colocando-as em situação de suspeita e profissionais da equipe de saúde no lugar de policiais ou investigadores. Com isso, a referida portaria, também afronta a Lei 10.778/2003, que determina o dever sigilo no atendimento a qualquer usuária ou usuário do SUS”, destaca a nota. “A notificação compulsória para casos de violência já existe! E tem como objetivo subsidiar políticas públicas de prevenção e não dar início a um processo penal contra a vontade da vítima!”, ressalta.

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